12 de dezembro de 2010

A História de Um Retrato


Lembro-me bem apesar da pouca idade à época. Principalmente os detalhes mais significativos; aqueles que ficaram impregnados na minha memória e que, ao longo do tempo, não perderam uma única nuance.

Em dezembro de 1968, meu avô Beirante e sua esposa (não por acaso, minha avó), levou-me na companhia da minha irmã a um passeio. A bordo de um taxi qualquer, rumamos à rua Tobias Barreto, na Móoca. Era quase uma trilha, pois para isso, precisava-se descer a rua Padre Adelino e atravessar uma pinguela de madeira por sobre um córrego no meio de algo que, para mim, parecia uma selva. Hoje, onde se localizava essa pequena ponte, é a atual avenida Salim Farah Maluf, ex-avenida Tatuapé.

A razão do passeio só foi esclarecida pelo velho Beirante quando descemos em frente a uma revenda de autos usados:

Hoje vamos comprar um automóvel!

Se a hiperatividade nossa já era considerável pelo passeio/aventura, a situação passou a exigir gritos, pulos e correria. Correria essa, sem qualquer critério, que ficou mais intensa quando nossos avós nos soltaram dentro da loja, para olharmos os carros. Minha altura não permitia ver os interiores, no máximo as rodas e pouco abaixo dos frisos dos automóveis.

Depois de alguns minutos, nosso avô nos chama e pergunta qual gostamos mais. Após uma curta reunião e algumas considerações entre irmãos houve unanimidade: o eleito era aquele vermelho e de parte de trás grande e altona. Abertas as portas do carro, escalamos invadindo aquele território novo. O que nos parecia um sofá na frente, era longo. E tinha um atrás também!!! Não acreditamos quando vimos que atrás deste, tinha um parquinho, grande, espaçoso e com vidros por todo lado!!!! E foi a primeira das posteriores vezes, que escutei o duplo clac da trava de parte da tampa traseira. Encantado, vi de relance que tinha outra tampa aberta, lá na frente. Desci e fui correndo querer ver se havia outro compartimento para se sentar. Meio que frustrado, meu avô me mostrou que aquele lugar já estava ocupado por um monte de ferro, alguns fios e umas peças redondas. Achava eu que a única coisa necessária para um carro andar era a chave de ignição.

O Beirante mais antigo desapareceu com o carro e retornou depois de algumas horas. Na verdade, minutos. Novamente dentro do carro, vimos meu avô dar uns papéis para o moço da loja, rabiscar outros e entrar no carro para voltarmos para casa.

Dispensável dizer que minha irmã e eu voltamos no porta bagagem, onde fizemos duas novas descobertas: um compartimento secreto, para se esconder coisas. Na verdade, a tampa de inspeção/lubrificação do eixo traseiro, só comportava algumas figurinhas. Era impossível fechá-la se o objeto fosse maior que uma caixa de fósforos. A segunda, pouco durou. Havia um colante (adesivo na época era apenas um tipo de cola) de um simpático senhor sorridente, todo de vermelho, com rabo em forma de flecha, barbicha e duas pontinhas na cabeça. O colante do Coisa Ruim, foi retirado a mando da minha avó, no dia seguinte. Houve uma terceira descoberta, essa sem graça alguma: não, não se podia andar com as tampas abertas.

Poucos, mas inesquecíveis, foram os passeios com meus avós e irmã à bordo daquela Vemaguet 1967 bordô (na verdade grená), pois pouco mais de meio ano depois, o velho Beirante nos deixou. Mas, graças ao meu pai, não foram raras as viagens naquele carro que só foi vendido em 1981, em razão de uma mudança radical.

Já menos criança, fiquei triste prá cacete.

3 comentários:

  1. Tais reminiscências dispensam bilhete para a viagem ao tempo de ouro da infância já um pouquinho longe.
    Lendo e vendo tais relatos,Vêem à memória,cores,carros,ruas,sentimentos e alegrias.
    Mas principalmente revelam do velho filme da lembrança alguns rostos e que ajudam a compor aquela canção que ouvimos distante. Ademais? resta-nos,apenas ficar com as notas musicais e as quase desbotadas matizes emolduradas dos velhos retratos de um tempo que infelizmente não volta mais!

    Paz e sapude meu Irmão!

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  2. Maravilhoso relato.

    Nos anos 1980 curtia muito os carros do meu avô, que teve por um curto tempo uma Brasilia 1978 ou 1979, com interna monocromática marrom (maldito barulho de motor), um Corcel II 1981 (adorava o carro, que ficou para meu tio) e um Gol LS 1984, que ficou até 1992 e eu permaneci mais tempo, arrancando a película cromada dos friso dos forros laterais (hoje eu me sinto culpado inclusive por ter quebrado uma lanterna ao fazer uma curva de bicicleta).

    Os carros são outros, mas as descobertas e o imaginário infantil passam através dos anos.

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  3. Agora, a pergunta, que sempre esqueço de lhe fazer:

    Há outras fotos de passeios com a Vemaguete? Está cada vez mais raro encontrar registros dessa época...

    Abraços!

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